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sábado, 5 de abril de 2025

América ("America", Allen Ginsberg)

 

América te dei tudo e agora eu não sou nada

América, dois dólares e vinte centavos

          17 de janeiro de 1956.

Não consigo suportar meus próprios pensamentos.

América quando acaba essa guerra humana?

Vá se foder com sua bomba atômica.

Não me sinto bem, me deixa em paz.

Não vou escrever um poema enquanto a mente 

não clarear.

América, quando serás angelical?

Quando tirarás tua roupa?

Quando vais olhar para si a partir da sepultura?

Quando serás digna de teu um milhão de trotskistas?

América, por que tuas bibliotecas estão cheias 

de lágrimas?

América, quando enviarás teus ovos para a Índia?

Estou farto de tuas exigências insanas. 

Quando posso ir ao supermercado e comprar o que

          preciso com esta minha cara legal?

América, afinal das contas, somos tu e eu 

os perfeitos 

          não é todo mundo.

Suas maquinações são demais para mim.

Fizeste-me querer ser santo.

Deve haver outro jeito de resolver este assunto.

Burroughs está em Tânger acho que não volta.

          É sinistro.

És sinistra ou isto é alguma forma de

          brincadeira?

Estou quase no ponto.

Recuso-me a deixar a minha obsessão.

América, pare de me pressionar 

sei o que estou fazendo.

América, as flores da ameixeira estão caindo

Não leio os jornais há meses, todos os dias

          alguém vai ser julgado por assassinato.

América, fico emocionado com os vulneráveis

América, eu era comunista desde pequeno.

          Não estou arrependido.

Fumo maconha sempre que posso.

 

Fico em casa durante dias a fio e olho as rosas

          no armário.

Quando vou a Chinatown embebedo-me e nunca fico

com ninguém.

Sinto que vai haver problemas.

Devias ter-me visto lendo Marx.

O meu psicanalista acha que estou super certo.

Não rezo o Pai-Nosso.

Tenho visões místicas e vibrações cósmicas.

América, ainda não te contei o que fizeste ao Tio

          Max depois que ele veio da Rússia.


Estou olhando para você.

Você deixa sua vida emocional ser dirigida pela

          revista Time?

Sou um obcecado pela revista Time.

Leio-a todas as semanas.

Sua capa me filma sempre que passo pela esquina da 

          loja de doces.

Li no porão da Biblioteca Pública de Berkeley.

Sempre me diz a respeito da responsabilidade. 

          Os homens de negócios são sérios. 

          Produtores de cinema são sérios.

Todo mundo é sério menos eu.

Caiu a ficha eu sou a América.

Estou falando comigo mesmo outra vez.

 

A Ásia se levanta contra mim.

Minhas chances são menores que as de um chinês.

É melhor eu considerar meus recursos nacionais.

Meus recursos nacionais consistem em dois baseados

          de maconha, milhões de genitais, uma 

          impublicável literatura privada que voa a 1400  

          milhas por hora em vinte e cinco mil hospitais  

          psiquiátricos.

Não digo nada sobre minhas prisões nem dos milhões

          de desfavorecidos que vivem nos meus vasos 

          de flores sob a luz de quinhentos sóis.

Aboli os bordéis da França, Tânger 

          será o próximo a desaparecer.

Minha ambição é ser Presidente

          apesar do fato de ser católico.

América, como posso escrever uma litania sagrada 

          com esse seu humor tolo?

Vou continuar como Henry Ford as minhas estrofes são

          tão individuais quanto seus automóveis, 

          ainda mais, elas têm todos os sexos diferentes.

América, vou te vender estrofes a $2500 cada, 

          $500 de entrada na tua estrofe velha

América, liberta Tom Mooney.

América, salva os Loyalistas espanhóis.

América, Sacco & Vanzetti não podem morrer.

América, eu sou os rapazes de Scottsboro.

América, quando eu tinha sete anos, a mamãe me

levou para reuniões da célula 

          comunista nos vendiam grão-de-bico um 

          punhado por ticket, cada ticket custava um

          níquel os discursos eram de graça todo mundo 

          era angelical e sentimental com          

          os trabalhadores era tudo tão sincero 

          você não faz ideia do quão boa era a coisa 

          do Partido em 1835 Scott Nearing era um 

          grande homem velho, um verdadeiro mensch 

          e Mãe Bloor me fez chorar. Uma vez vi Israel 

          Amter simplesmente

          Todo mundo deve ser um espião.

América, você não quer mesmo ir pra guerra.

América, são aqueles russos maus.

Aqueles russos e aqueles russos, e aqueles chineses. 

          E aqueles russos.

A Rússia quer nos comer vivos. A Rússia e seu louco

          poder para roubar nossos carros de nossas

          garagens.

Ela quer mesmo ficar com Chicago. Ela precisa mesmo

          de um Readers' Digest Vermelho. Ela quer 

          mesmo nossas montadoras na Sibéria. 

          Ela a grande a burocracia comandando nossos 

          postos de gasolina.

Isso não é bom. Hum. Faz os índios aprenderem a ler.

Ele precisa de negros grandes e pretos. Ah!. 

Ela nos faz trabalhar dezesseis horas por dia. Socorro.

América, isso é sério.

América essa é a minha impressão ao olhar 

          a tela da televisão.

América, é isso mesmo?

É melhor eu ir direto ao assunto.

É verdade, não quero me alistar 

no Exército nem tornear peças 

         em fábricas de precisão.

         De qualquer forma, 

         sou míope e psicopata.

América, estou colocando meu ombro queer na roda.


(Tradução minha a partir do poema "América", na edição de 1959 do livro "Howl and other poems" de  Allen Ginsberg)


America

By Allen Ginsberg

 

America I’ve given you all and now I’m nothing.

America two dollars and twenty seven cents 

January 17, 1956.   

I can’t stand my own mind.

America when will we end the human war?

Go fuck yourself with your atom bomb.

I don’t feel good don’t bother me.

I won’t write my poem till I’m in my right mind.

America when will you be angelic?

When will you take off your clothes?

When will you look at yourself through the grave?

When will you be worthy of your million Trotskyites?

America why are your libraries full of tears?

America when will you send your eggs to India?

I’m sick of your insane demands.

When can I go into the supermarket and buy 

what I need with my good looks?

America after all it is you and I who are perfect 

not the next world.   

Your machinery is too much for me.

You made me want to be a saint.

There must be some other way to settle 

this argument.   

Burroughs is in Tangiers I don’t think he’ll come back

it’s sinister.   

Are you being sinister or is this some form of practical

joke?   

I’m trying to come to the point.

I refuse to give up my obsession.

America stop pushing I know what I’m doing.

America the plum blossoms are falling.

I haven’t read the newspapers for months, everyday

somebody goes on trial for murder.

America I feel sentimental about the Wobblies.

America I used to be a communist when I was a kid

I’m not sorry.   

I smoke marijuana every chance I get.

I sit in my house for days on end and stare at the

roses in the closet.   

When I go to Chinatown I get drunk and never 

get laid.   

My mind is made up there’s going to be trouble.

You should have seen me reading Marx.

My psychoanalyst thinks I’m perfectly right.

I won’t say the Lord’s Prayer.

I have mystical visions and cosmic vibrations.

America I still haven’t told you what you did to 

Uncle Max after he came over from

Russia.

I’m addressing you.

Are you going to let your emotional life be run 

by Time Magazine?   

I’m obsessed by Time Magazine.

I read it every week.

Its cover stares at me every time I slink past 

the corner candystore.   

I read it in the basement of the Berkeley Public

Library.

It’s always telling me about responsibility.

Businessmen are serious. Movie

producers are serious. Everybody’s serious but me.   

It occurs to me that I am America.

I am talking to myself again.

 

Asia is rising against me.

I haven’t got a chinaman’s chance.

I’d better consider my national resources.

My national resources consist of two joints of

marijuana millions of genitals an

unpublishable private literature that jetplanes 1400

miles an hour and twenty five-

thousand mental institutions.

I say nothing about my prisons nor the millions of

underprivileged who live in my

flowerpots under the light of five hundred suns.

I have abolished the whorehouses of France, Tangiers

is the next to go.

My ambition is to be President despite the fact that 

I’m a Catholic.

 

America how can I write a holy litany in your silly

mood?

I will continue like Henry Ford my strophes are as

individual as his automobiles

more so they’re all different sexes.

America I will sell you strophes $2500 apiece $500

down on your old strophe

America free Tom Mooney

America save the Spanish Loyalists

America Sacco & Vanzetti must not die

America I am the Scottsboro boys.

America when I was seven momma took me to

Communist Cell meetings

they sold us garbanzos a handful per ticket a ticket

costs a nickel and the

speeches were free everybody was angelic 

and sentimental about the workers it

was all so sincere you have no idea what a good thing

the party was in 1835 Scott

Nearing was a grand old man a real mensch Mother 

Bloor the Silk-strikers’ Ewig-

Weibliche made me cry I once saw the Yiddish orator 

Israel Amter plain. 

Everybody must have been a spy.

America you don’t really want to go to war.

America its them bad Russians.

Them Russians them Russians and them Chinamen.

And them Russians.   

The Russia wants to eat us alive. The Russia’s power

mad. She wants to take our cars from out our garages.

Her wants to grab Chicago. Her needs a Red Reader’s

Digest. Her wants our auto

plants in Siberia. Him big bureaucracy running our 

fillingstations.

That no good. Ugh. Him make Indians learn read. Him 

need big black niggers. Hah.

Her make us all work sixteen hours a day. Help.   

America this is quite serious.

America this is the impression I get from looking in

the television set.   

America is this correct?

I’d better get right down to the job.

It’s true I don’t want to join the Army or turn lathes in 

precision parts factories, I’m nearsighted and

psychopathic anyway.

America I’m putting my queer shoulder to the wheel.

 

Berkeley, January 17, 1956


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